domingo, 13 de fevereiro de 2011

Vergonha de cão

Pouco há de mais lamentável do que um povo de gatas, a silenciar por medo, pusilânime doutorado em ditaduras, a desculpabilizar os botas toscas que o esmagam. Povo de merda, levanta-te!

Um tipo que se deixa chamar de magistrado tem qualquer coisa de menos bom. Fica em regime de prova. Se fizer fé num nariz de GNR, quando lhe compete mandar cheirar pelos meios adequados de cão, ganha aquela patine porcalhoca dos labregos. Portugal está abananado por gente desta. Na Madeira, uma ilha, durante 8 anos não encontram um carro despistado . Qual montanha, qual quê, absoluto desleixo. Alguém é despedido? Que interessa isso, ontem foi a idosa, anteontem a condutora, amanhã és tu. Levantares-te para quê, se tens o destino traçado? São milhares de funcionários a mordiscarem o orçamento, os marinheiros a jogarem às cartas, em vez de perscrutarem o mar por mais um veleiro que se perde à entrada da barra, uma vergonha internacional. Nada faz levantar esta corja de rastejadores.

Em qualquer democracia, noutro país, claro, um político que tivesse beneficiado daquele contrato publicitário de Luís Figo com o Tagusporque – e basta a suspeita relevada num despacho judicial – estaria preso, demitido, coberto de vergonha. Aqui, na parvalhónia dos pusilânimes, Sócrates berra e ameaça, ai de quem o diga, e ninguém diz. A corja imunda dos jornalistas, fétidos.

O CDS reelege Portas, o tipo do escândalo dos submarinos, que está contra o endividamento e que, com aquelas bostas submergíveis, afundou o orçamento de Estado. Um CDS queimado no caso Portucale acha que pode apresentar-se ao eleitorado, e apresenta-se com os mesmos tipos, envergonhando-nos a todos. Esquecendo a linhagem saudosista do Estado Novo que muitos deles representam, não pode esquecer-se que são falsos liberais, falsos cristãos, oportunistas coxos, que agora tolhem o pensamento e o horizonte.

O BE será governado por Mário Soares, o PC por Sócrates. Assim se define a esquerda paralamentar. Então, sob uma crise monumental, aqueles falsos partidos, traidores do povo, têm um discurso igual ao CDS: os reformados (quando dizem reformados e pensionistas percebe-se logo que são falsários), os trabalhadores (quando dizem trabalhadores e desempregados percebe-se logo que são filhos da puta), os lucros da banca (então os lucros dos supermercados? Esses sim escandalosos, por que não o dizem, são subsidiados para calar?), a produção nacional (produzir com os meios do capital, nisto não se distingue o PC do CDS e o BE tem muitas sugestões úteis aos donos das coisas), a agricultura (um bruá de que todos comungam hipocritamente). Uma vergonha, num país decente eram corridos a cuspo.

Então a alternativa (alternativa para o portuga de gatas é como nas touradas: um exame de admissão a partir do qual já não se questiona o direito de participar), a alternativa é o PPD/PSD? Um partido que nem o nome escolhe? Nem o dirigente escolhe com o mínimo carácter de permanência? Um partido que não tem programa, não é nem liberal, nem conservador, nem social-democrata? O partido das propostas claras que se resumem a querer formar governo, a distribuir tachos, a pôr a dignidade acima do povo, o negócio acima da transparência, que invariavelmente, cada vez que chegam ao poder, se enchem de casos de corrupção, de poucas-vergonhas orçamentais, de toma lá um terreno, dá cá um tacho? Vocês portugas de gatas continuam à espera que estes tipos achem um candidato a primeiro-ministro que não seja completamente bronco, que não pretenda falar francês com um francês sobre um assunto nacional, à frente da televisão? Pois se estão, perdem o direito a perguntar-se porque é que os vossos pais e avós se submeteram ao fascismo. Na verdade, já não perguntam, sabem que, em termos de dignidade, são europeus de segunda.

Do PS, o partido iníquo dos oportunistas, o partido com o QI mais baixo da história, onde qualquer atrasado mental encontra protecção para chegar a professor catedrático, a ministro, a filho da puta. É esse o problema do PS: está cheio de oligofrénicos disfarçados, lavadinhos pelas mães e vestido no Rosa e Teixeira passam por intelectuais. Uma corja lamentável de tipos grosseiros, maus e broncos, vindos do Estado Novo e do partido comunista, vendidos aos estrangeiros por Mário Soares (a única inteligência que lá anda, com a do negociante Almeida Santos), à babuja de tachos, sem conhecerem o irmão, sem cuidarem da honra, corruptos, miseráveis. Quem poderia chefiá-los, senão um zarolho? Como é possível que aquela empregada de escritório tenha chegado a ministra da segurança social, sem valores, nem princípios, nem discurso? Enfim, a lista é interminável!

Continua pois agachado no teu canto, não te despistes, não fales, obedece, silencia. Isto não te diz respeito, sim, não é nada contigo. Tu és um simples mortal rame-rame, os assuntos do Estado não te dizem respeito. Para isso precisarias de receber o dom que distingue os animais dos humanos: a vergonha. Também precisarias de moderar essa tendência para morder a mão que te ajuda – mas isto não és capaz, pois não?

sábado, 15 de janeiro de 2011

Presidenciais: geriatria fascistoide

Maurice Duverger desenvolveu o conceito de semi-presidencialismo da V República Francesa precisamente na época em que Portugal de Abril tentava construir um novo regime político. Aliás Portugal abriu caminho para dezenas de outras novas democracias, na Europa, em África e na América. É necessário ter em conta que Duverger acreditava que construía uma ciência e se considerava a ele próprio um cientista (título que, por pura genialidade, lhe deve ser reconhecido).

Ganhou então foros de lei social a crença de que as sociedades periféricas com democracias recentes poderiam conhecer estabilidade política adoptando o regime semi-presidencial. Basicamente, o controlo do Governo é parcialmente deslocado do parlamento para o presidente, cuja legitimidade é aumentada pela eleição directa. Jorge Miranda teve influência na arquitectura do regime português, e tem-no exportado, com o beneplácito da Europa liberal e da Igreja Católica, para as ex-colónias portuguesas. O semi-presidencialismo persiste em Cabo Verde, São Tomé e Timor, falhou na Guiné e tenta furar Angola e Moçambique, na mira do fim das actuais ditaduras.

Aquele sistema difere das democracias tradicionais, como a Inglesa, por atribuir ao presidente uma função moderadora que deveria caber ao parlamento e, em caso de impasse, ao eleitorado. Parece que há uma minorização do povo, que não é chamado a intervir nos momentos de crise. Mas na verdade há uma inferiorização do parlamento, que não assume suficiente responsabilidade perante as dificuldades, desculpabilizando os partidos pelos deputados que escolhe, pois a responsabilidade pode ser atribuída ao presidente, e é sempre possível discutir sobre a actuação dele. Daí que o único partido até hoje castigado pelo eleitorado tivesse sido o PRD, precisamente de raiz presidencial, dependente do spinolista Eanes.

Não se verifica que a instabilidade constante da Bélgica ou da Itália, países parlamentaristas, haja prejudicado o desenvolvimento económico, os negócios e a vida social, ou que conduza a eleições excessivas, que coloquem “o poder na rua” - esse temor dos estatistas, secretistas e negociantes, que o povo conserva devotamente no poder. Verifica-se sim que a desresponsabilização do parlamento operada pelo semi-presidencialismo conduz a corrupção, a populismo, a baixa qualidade dos deputados e a manobrismo dos partidos. Aumenta também a influência política externa ao transferir os assuntos do Estado para a esfera privada do presidente, dos chefes de partido e do primeiro-ministro. O semi-presidencialismo é pois um regime do terceiro-mundo, a par das ditaduras mais ou menos disfarçadas.

Preferimos neste blogue o parlamentarismo e o aumento da judiscialização dos actos políticos com efeitos sobre o orçamento. Dito isto, é evidente que não gostamos de eleições presidenciais: fazem sentido nos Estados Unidos ou em França, regimes presidencialistas, e em Cabo Verde ou Timor, regimes pré-democráticos que transferem para o presidente os assuntos de Estado. Em Portugal, tem conduzido a uma falsa alternância entre PS e PSD, que nunca são efectivamente responsabilizados e vão mudando de saia e camisola de eleição em eleição, com um despudor lamentável. E permite também que o PCP e o CDS vegetem na babuja do orçamento, sem chama nem um resquício de inteligência. A ideia de partido-empresa é tão boa em Portugal, que até imventaram mais um: o BE. Na verdade, aquilo dá dinheiro, muito.

A presente campanha eleitoral avisa dos perigos futuros do semi-presidencialismo: os candidatos são demasiado velhos e sem percurso conhecido (salvo Cavaco), pois a função de deputado que alguns deles assumiram nada nos diz sobre as suas ideias e aquele que tem uma empresa de assistência médica aos estrangeiros pobres ou o outro que berra na Madeira, têm um passado vazio. Mas observe-se como discursam, como concentram em si o destino do povo, se eu não for eleito vocês serão uns infelizes, se eu for eleito resolverei os vossos problemas, eu sou digno de confiança, mais do que outros, eu sei o que vou fazer, confiem em mim. Que raio, que treta de conversa é esta senão um discurso fascistoide do homem providencial, um Sidónio salvador do povo, da populaça e das madames fru-fru?

Tenhamos maturidade! Portugal é um dos países mais ricos do mundo. Tem uma longa história, que ensina democracia à Bélgica e à Itália. Mandemos às urtigas os pelintras que não aceitam o serviço nacional de saúde e que, na velhice, querem andar com um médico e uma unidade anti-AVC atrás deles, paga por nós, e querem pôr a família em boas posições nas grandes empresas (como estão os filhos de Sampaio, de Cavaco, todos por elevado mérito pessoal). O peso de negociatas e de mini-seita que os presidentes geram (Eanes foi um general a sério nessa matéria) é pernicioso. Sabemos que nenhum deles tem ou pode ter uma solução para a economia. E sabemos também que vem aí uma crise que exige soluções inovadoras.

Então, Prof. Jorge Miranda acabe lá com o semi-presidencialismo.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Manuel Alegre em Abril

Manuel Alegre tem vindo a assumir-se, sobretudo nas campanhas presidenciais, como um lídimo resistente anti-fascista. É um título que não enobrece a esmagadora maioria dos eleitores actuais, pois os compagnons de route que deram o braço a Alegre perderam há muito o direito à vida, e os jovens não têm, felizmente, tantos anos. Aquela atitude de Alegre ganha assim um certo sabor amargo, que recai sobre a morte dos outros.

Alegre antes de Abril de 1974 estava em Argel, onde era locutor de uma rádio que emitia para Portugal cerca de 1 hora de informação contra o Estado Novo. Acho que o ouvi – demasiado jovem para o precisar – uma ou outra vez, no transístor do Manuel Torradinho, na Praia dos Tesos, em noites de Primavera. (neste parágrafo cito de memória, erro que procuro não repetir nos seguintes)

Entrou para o PS no final de 1974 e tornou-se um acólito de Mário Soares, de quem nunca dissentiu ao longo do PREC, em todas as convulsões que afastaram ou geraram oposições internas de tantos quadros do PS. Acolitou-o depois de 1976 nas medidas de eliminação das assim chamadas “conquistas de Abril” e na instauração do regime e sistema económico actuais.

Os cérebros do PS naquele tempo revolucionário foram Mário Soares, obviamente, e Sottomayor Cardia, um dos que a morte ceifou. Não se conhece a Alegre uma posição autónoma naquele período. Seria um porta-voz do PS, fiel à estratégia do núcleo duro.

A história do PREC tem sido resumida como um combate pela liberdade contra os comunistas e, em menor porção, contra os direitistas. O PS foi o garante da democracia actual. Porém, alguns aspectos de Abril não estão esclarecidos. Algumas nuvens penumbrosas pairam sobre algumas cabeças. Alegre, candidato presidencial e velho democrata, parece especialmente obrigado a esclarecer as dúvidas, naquela parte em que tomou intervenção – obrigação que advém do facto de se pôr agora a mandar piçadas antifascistas a todos quanto lhe fazem frente.

Para este blogue, destas questões depende a imagem que se pode construir de Alegre:

Como se sabe – e hoje é unanimemente aceite pelos historiadores – Spínola tentou 3 golpes de Estado. Cada derrota de Spínola potenciou o poder dos comunistas e reforçou a organização do MFA. O primeiro foi um golpe palaciano protagonizado por Palma Carlos (também um grande democrata, por acaso director da companhia de electricidade que recebia informações da PIDE, que lhe chegavam por via do chefe de segurança (vide Conversas com Adelino da Palma Carlos, p. 13), que queria fazer um Governo à sua medida, uma constituição à medida de Spínola e um eleição superrápida de Spínola. O segundo foi o golpe de 28 de Setembro, que contribuiu para a moda das barricadas e das manifestações surpresa. O terceiro foi o 11 de Março, uma palhaçada perigosa que ressuscitou todas as forças negativas do fascismo e do stalinismo, que desde aí passaram a andar à paulada, com perseguições terroristas a Norte e ocupações em Lisboa e no Alentejo – o caldo de instabilidade que propiciou o controlo dos militares logo em Agosto de 1975 (embora não se diga, acabou aí o MFA), mantendo-se estrategicamente alguns focos de instabilidade militar até ao arrumar da casa em 25 de Novembro.

Ora, onde estava Alegre? Era visita de Spínola na casa de Massamá, onde foi preparado o 11 de Março (vide Maria Inácia Rezola, Os Militares na Revolução de Abril, p. 126). Os socialistas dirão que o faziam para tirar nabos da púcara de Spínola, mas, se os tiraram, não os tornaram públicos, e não parece que tenham tentado impedir o golpe.

Dir-se-á que calhou assim. Porém, onde está Alegre a 1 de Outubro? A denunciar a iminência de um golpe de militares de esquerda para o dia 2, anúncio que, por mero acaso, se revelou completamente falso e sem qualquer fundamento (nem o PS o tentou justificar) (vide Cesário Borga e outros, Abril nos Quartéis de Abril, 131, 132). Todavia, enquadrou-se no conjunto de "manobras controladas" que os moderados atiraram aos esquerdistas e comunistas e que vieram a contribuir para o 25 de Novembro (vide Sousa e Castro). Os anúncios de golpes, incluindo o de Alegre, mereceram até, imagine!, uma conversa entre Henry Kissinger e Deng XiaoPing, a 21 de Outubro de 1975, em que este constatou: "informações assim tão precisas não podem ser fidedignas"; e Kissinger corroborou: "nós também não acreditamos" (vide Nuno Simas, Portugal Classificado, Documentos Secretos Norte-Americanos 1974-1975, p. 142).

Sr. Candidato Manuel Alegre, que tal contribuir para a história do 25/04 revelando algo de útil, e os documentos atinentes? Agiu a favor do MFA ou contra?

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Fuzeta: a barra do descontentamento

Movimenta-se em Olhão um grupo muito tenso, muito petulante e ostensivo, que acha que faz política ofendendo e disparando disparates à toa. O alvo da crítica é tudo o que mexa. Havendo zum-zum, fazem brado. Olhão no seu melhor pede meças a Gustave le Bon. Têm agora o bom pretexto de o Estado ter finalmente um plano de desenvolvimento para a Fuzeta. Os jornais dão-lhes eco e uma entidade abstracta que dá pelo nome de “pescadores da Fuzeta” serve-lhes de escudo invisível.

No Verão passado, as máquinas recuperaram cerca de mil metros de cordão dunar e abriram uma nova barra – no local previsto há longos anos. Tratou-se de uma intervenção de emergência para evitar que a continuação do mau tempo no corrente inverno viesse a destruir a belíssima ilha que dá praia e ria, abrigo e fonte de riqueza. A abertura da barra representa uma pequena parcela dos custos do conjunto da obra. Todavia, não houve tempo (na dupla acepção de clima e de cronologia) para consolidar a nova barra. Os vendavais têm fustigado a costa – estamos hoje sob uma forte suestada. Formaram-se cabeços de areia ou assoreamentos que dificultam a navegação. A sociedade Polis, que gere a obra, anunciou novos trabalhos para breve – que devem passar pelo reforço Nascente da ilha e pelo encerramento da barra natural que aí existe.

A Fuzeta precisa de uma barra operativa, se necessário com molhes de protecção. Mas todos compreendem que a construção de molhes é um trabalho difícil e moroso, que deve ser precedido da confirmação do bom funcionamento da barra a proteger. Assim se fez, há cem anos, com as barras de Faro/Olhão e de Tavira. Se a barra actual não funcionar, tem de procurar-se outro local; e se se confirmar, tem de estudar-se a eventual colocação dos molhes. Não basta “pôr pedra”, como tem sido dito irresponsavelmente. A pedra amontoada não resiste à força do mar. Os molhes são estruturas complexas que não se fazem com palavras.

Essa entidade abstracta “pescadores”, construída ao gosto da oportunidade jornalística, que ouve, mais ou menos antes ou depois do almoço, um ou outro sabichão, caindo no cerco que Gustave le Bon tão bem explicou, ouvindo zunir, urra, e de tanto querer uma barra com molhe, junta-se à molhada das vozes insanas de Olhão, ficando a gritar que o dinheiro aplicado na Fuzeta foi mal empregue. Estou certo que não sabem o que dizem, se o dizem mesmo ou se o papagaio não é uma invenção jornalística.

Admitindo um pescador ideal, puro e experiente, teremos de concluir que se especializou na pesca; logo, não é especialista em barras. Como ao longo dos anos a ilha foi variando em forma e feitio, a experiência que pode ter acumulado pela observação (se a memória não se lhe toldar depois do almoço), pouco pode saber do que deu causa à forma que a ilha actualmente tomou. Isto é: a descrição da história de um fenómeno não permite, por si, construir uma teoria que retroprojecte a formação anterior ou que projecte a evolução futura – salvo por aproximação. Logo a experiência não é um modelo, nem constitui um saber, para além do que permite descrever o passado. Acresce que a memória é muito traiçoeira, relevando no caso a falta de precisão da descrição das velocidades de avanço da barra, que não evoluiu por igual ao longo dos últimos 50 anos. Ora, tais problemas estão devidamente estudados. Pode perceber-se com maior rigor o que tem acontecido no local pelo estudo da cartografia e pelo estudo da dinâmica do mar e da ilha. Neste particular, Portugal tem alguns especialistas de renome. Os pescadores devem ouvi-los, antes de tomarem posição.

O grupo de Olhão insinuou que a Polis fechou a barra natural aberta pela fúria do mar no final do inverno passado apenas por temer que o mar pudesse vir a atingir os edifícios construídos recentemente na frente ribeirinha da Fuzeta. Querem dizer que, se não fossem os novos edifícios, nada havia a proteger? Das duas, uma: ou aquela barra podia afectar a Fuzeta, com ou sem casas, ou não podia. Na primeira hipótese, a barra tinha de ser fechada; na segunda, podia continuar aberta. Agora, relacionar o fecho da barra com os novos edifícios é de baixa política. Se acham que os edifícios estão a mais, mexam-se, protejam a Fuzeta; se acham que o mar podia afectar a Fuzeta, concordem com a decisão de fechar a barra.

Poderá talvez ter-se por assente que a barra progride naturalmente de Poente para Nascente, no sentido do vento dominante. Partindo desta premissa, parece evidente que não podia manter-se a barra onde o mar a abriu, mesmo em cima da zona balnear, em frente da Fuzeta. A praia seria permanentemente afectada pela instabilidade e insegurança das areias e das correntes. O trânsito de embarcações seria, mais tarde ou mais cedo, prejudicado pelos cordões dunares internos da ria. É importante notar que o canal de navegação existente seria assoreado pelo delta da enchente, enquanto a barra continuasse naquele lugar; e quando a barra se desviasse, não haveria canal algum. Pretende-se uma barra estável, que divague o mínimo possível. Daí a abertura actual.

A actual situação será transitória, espera-se, mas é desagradável. Cabe porém perguntar onde andava a turba olhanense e os seus pescadores arquétipos, tomados depois de almoço pelo microfone do jornalista, quando desde a prometida barra de Henrique Tenreiro e ,depois, de Mário Soares, assistiram à perda da frota pesqueira da Fuzeta, ao definhar da povoação, à morte por santa velhice dos intrépidos pescadores de outrora – esses sim, arquétipos heróicos – e aos ocasionais naufrágios que ceifaram vidas por causa da porra da barra que divaga, como divagam os tolos? Melhor: não se pergunte por onde andaram, pergunte-se por onde andam. Quedem-se, que destroem o resto.

Um bem haja à sociedade Polis Ria Formosa e aos seus administradores.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Sá Carneiro - a biografia

Miguel Pinheiro publicou recentemente “Sá Carneiro – Biografia” (Esfera dos Livros, Lisboa, 2010).

O livro está muito bem documentado, com acesso a arquivos pessoais e familiares, embora não indique a fonte de cada passagem ou referência. Representa um esforço enormíssimo - e conseguido.

Sá Carneiro sofrerá de perturbação bipolar (a depressão explica o interregno político de 1975; a euforia fá-lo regressar, conflituoso, em Setembro), chega a  ser acusado pelos próximos de histeria e de comportamentos erráticos, sem estofo ideológico e ultra-direitista (o anti-comunismo seria permanente). Mas tem imbatíveis qualidades de liderança, de ser seguido pelos amigos e de prosseguir incansavelmente o seu projecto pessoal .

O autor procura sustentar que Sá Carneiro batalharia intransigentemente contra a interferência militar na política civil, defendendo uma democracia europeia. Porém, o grosso do livro passa a mensagem oposta: Sá Carneiro esteve mancomunado com Spínola no projecto pessoal deste para fazer um regime à sua imagem (presidente plebiscitado, autoritário, com poderes executivos, conservando o que se pudesse aproveitar do Estado Novo); depois, pelo menos indirectamente, comprometeu-se nos ataques terroristas contra civis e militares, que submergem o Norte em 1975 e 1976. O livro ainda não esclarece como é que um antimilitarista se deixa seduzir pelo general Soares Carneiro, apresentando-o como candidato a presidente da República ultradireitista (mais uma vez, como em 1975, em ruptura com a social-democracia e com as personalidades proeminentes do partido). Continua misteriosa a tragédia da sua morte.

Se se confirmar a versão de Miguel Pinheiro, será necessário rever a história dos partidos no período do 25 de Abril – e tão necessário é rever todo esse período quanto se impõe dizer “adeus Rezola”. Votos para que outros políticos se submetam à biografia, sem subterrefúgios. E Parabéns a Miguel Pinheiro.

domingo, 14 de novembro de 2010

Ordem dos Advogados: o que está em causa

Em Novembro de 1974, o advogado Luís de Carvalho e Oliveira explicava que as profissões liberais tendiam para a proletarização e que o advogado generalista tinha os dias contados. Preconizava então que a Ordem dos Advogados proibisse o exercício da advocacia aos trabalhadores por conta de outrem e que os advogados se associassem para prática partilhada e especializada da profissão.

Não obstante aquele vaticínio, uma parte muito substancial dos advogados continuam até hoje em prática individual e generalista, enquanto uma parte substancial do volume de negócios tem vindo a pertencer a sociedades de advogados. (Generalistas são ainda a maior parte dos juízes).

O generalismo tem a vantagem de permitir a proximidade com as questões pessoais, familiares e de pequena empresa, na busca de soluções conjugadas e adaptadas à vida dos particulares. As sociedades têm a vantagem da subdivisão interna das tarefas, congregando não só várias especialidades, como principalmente diferentes níveis de responsabilidade e de capacidade técnica.

A arma do advogado generalista é a visão ampla dos interesses em causa, se alicerçada no rigor técnico. A sociedade perfilha visões mais economicistas, burocráticas e automáticas (designadamente em sede de honorários), mas, supondo o rigor no topo, não pode assegurar rigor de execução pelas bases.

Nos últimos 15 anos a lei tem vindo a facilitar a correcção dos erros processuais dos mandatários, sobretudo daqueles que põem em crise a expectativa de ganho de causa, a coberto de uma pretensão de verdade. Este caminho legislativo tem propiciado a proliferação de advogados menos competentes, mormente daqueles que as sociedades seleccionam a muito baixo custo para executar serviços básicos: os riscos de falhanço ganham uma hipótese de emenda. Simultaneamente, a lei tem vindo a impor aos advogados em prática liberal um regime fiscal semelhante ao das sociedades (salvo se suportarem os altos custos do regime de contabilidade não organizada). Agrava-se pois a liberalidade e crescem as suspeitas de manobra por parte dos interesses das grandes sociedades.

Na província, talvez para se facilitar aquele caminho, o crescente gigantismo das Distritais tem dado uma abébia burocrática a pequenos grupos de advogados, que parecem compensar "os sacrifícios da abnegação" em prol do colectivo com a projecção da imagem pessoal no mercado.

Nas eleições de hoje para a Ordem dos Advogados (e já desde 1974), está em causa  o modo como as grandes sociedades vão continuar a sua progressão no controlo da advocacia em Portugal. Um processo mais acelerado, com eliminação dos liberais, ou mais mitigado, com conservação da advocacia individual, mais ou menos influenciada pela burocracia de província.

Alguns exemplos: os inadmissíveis atrasos nos laudos de honorários (cerca de ano e meio) afectam os liberais, enquanto as sociedades seguem tabelas e contratos na maioria dos casos; o poder disciplinar nunca afecta as sociedades, e tolhe o exercício liberal ainda que por simples lapso; as baixas remunerações dos tarefeiros das sociedades não são fiscalizadas; o mérito, em especial quando da conquista jurisprudencial de casos concretos, nunca é tomado em conta pela Ordem dos Advogados; o demérito apenas importa em caso de queixa, quantas vezes injusta, do cliente; a mão disciplinar e fiscalizadora da Ordem paira de um modo corporativo (do Estado Novo) e ultrajante para a classe.

Aquele espectro não afecta apenas os advogados. Todos tememos cair na necessidade de ter de escolher um advogado, um tiro no escuro perigoso, mais perigoso ainda se apenas o podermos fazer de acordo com a condição económica de cada um, de cima abaixo na hierarquia de uma sociedade ou no balcão da segurança social. Deve temer-se também que um processo se alongue em incidentes custosos, decididos ao acaso por juízes influenciáveis, desde que um dia as sociedades se lembraram de “matar Alberto dos Reis” e os juízes se deixaram convencer de que assim ganhavam poder de decisão (ganharam poder de confusão, aquele que, segundo a boa teoria, conduz à concentração, isto é, ao poder stricto sensu).

domingo, 7 de novembro de 2010

Estado da Justiça: um caso de livre convicção

Num julgamento, a testemunha hesita e responde confusamente às perguntas da advogada.
A juíza interrompe: "Tudo o que a Sr.ª sabe foi o autor que lhe disse?" A testemunha confirma e a advogada continua a inquirição.
A testemunha mostra-se novamente confusa na descrição de um terreno e a juíza torna a interromper: "como é que sabe a configuração dos terrenos?" Responde a Sr.ª: "disse-me o autor".
A inquirição prossegue. No final, satisfeitas as dúvidas dos advogados, a juíza chama a testemunha, mostra-lhe a planta do terreno, descreve as construções e pergunta à testemunha: "de que lado está a casinha?"
A testemunha esclarece que a casinha está do lado do réu e adita pormenores que o comprometem. A juíza: "como sabe?" E a testemunha: "porque tenho conhecimento".
"Ah", diz a juíza, "a Sr.ª pode ir à sua vida".
Quinze dias depois dá por provada a versão da testemunha, aliás idónea e convincente.

Moral da história: assista a julgamentos, vai ver que se diverte.