sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Para acabar de vez com o átomo

Foi estudando o pensamento dos primeiros filósofos gregos, os seus saltos imaginativos, que Nietzsche pôde entender e explicar o seu erro fundamental, ainda antes dos físicos quânticos: o átomo, enquanto partícula essencial da matéria, não existe. Uma vez tomado como tema científico, não pára de se decompor em partículas ainda mais ínfimas. Os mesmos gregos primordiais, pais da humanidade, acreditavam no uno celestial. A astronomia não deixou de perseguir essa via, da abóbada modal ou dimensional dos seres terrenos ao espaço etéreo do infinito. Paira hoje na encruzilhada dos seus mitos entre supernovas e planetas mistério, estrelas vivas e mortas, numa interminável série de corpúsculos inconjugáveis. Mas o uno persiste, entendido como perfeição, como entidade reguladora superior, que escapa à compreensão humana. O infinito é ainda ponto de partida, quando deveria ser ponto de chegada. Não se trata de um fracasso da ciência, que é sobretudo uma negação da filosofia, ou seja, uma negação da verdade. Dito de outro modo, a ciência recusa a imaginação, apesar das descobertas de Koch e de tantos outros serem devidas a nada mais que isso. A ciência depende da ignorância, está-lhe intimamente ligada, pertence-lhe, quer vencê-la. O labor do cientista nasce da ignorância e vive dela, ou não poderia sustentar-se sem ela. Também por isso vivemos numa sociedade orientada para o trabalho, que tem expressão mor na escola, essa instituição parasitária que explora a ignorância para a capturar e domesticar na vegetabilidade dos empregos, na empregabilidade, na dependência moral, na subserviência ao Estado, o pai da modernidade. Um professor, porque captura ignorância e despende imaginação dos seus alunos, é um crápula, do ponto de vista intelectual. Nem vale pô-los a versejar num jardim límbico, ainda assim crapuliza. O uno é uma tirania. A ignorância não se combate, suplanta-se, salta-se, imagina-se. Às urtigas, a escola e os profecas, em especial os bons (ah! A virtude do mau professor, aquele cheio de tiques de ódio e incompetência, esse sim, o que verdadeiramente nos ensina o lugar a que pertencemos: estrato tal na sociedade B! O seu filhote precisa de trabalhar mais! O crápula! O seu querido filho é muito bom aluno! O crápula! Mostra-me o teu, palerma, coxo). E se o evidente exagero das considerações anteriores sobre a escola escandaliza o teu sentimento científico, vai lá buscar os manuais do teu filho e verifica quantos erros lá estão transcritos e são diariamente impostos, contrários às novas descobertas ou invenções da ciência, para o que precisas de ter algum conhecimento adicional e, depois, precisas de bater com a mão na testa: baboseiras sobre a globalização e sobre a pátria, a ideia de progresso ainda tão nova como quando morreu em 1914, as placas terrestres terminadas e preservadas na eternidade das lavas, o aquecimento do planeta reduzido à fumarada das fábricas obsoletas, a reciclagem do plástico poupadinha, a genética una, fundamental, o fim último, terminal longínquo dos vindouros!
É sobre genética, que este artigo versa, precisamente. Novamente a ideia do uno, o erro primordial dos gregos que tomaram o pensamento nas mãos para se elevarem ao celeste. A genética, agora nas mãos sujas e grotescas de um laboratório farmacêutico ou de investigação pública, o que vale o mesmo, embora com resultados faseados diferentes. Os próprios crentes desvalorizam os fracos resultados da genética, que ainda falta a tarefa medonha de catalogar as proteínas, perdão, de catalogar a interacção das proteínas umas com as outras, em todas as hipóteses possíveis. Perdão, o tanas. A tarefa é impossível! São quatrilhões de hipóteses, e as conjugações que se descobrirem operatórias serão mero acaso, como o da penicilina. Pô-los a trabalhar a ver se calha alguma coisa de jeito, é uma coisa. Bem diferente é fazer-nos crer que podem chegar à totalidade do sistema entre moléculas e proteínas. Pura e simplesmente a genética é uma paragem no tempo. Assenta na crença de uma ordem básica das espécies, na evolução burriana que Darwin imitou do utilitarismo, no progresso da ciência que andaria mais depressa que os acasos geracionais. O gene corresponde a uma crença tão errada quanto o átomo. O esforço da investigação vai conduzir a resultados parciais fantásticos e de seguida descamba. Parte dos resultados positivos vai produzir efeitos colaterais monstruosos a longo termo. Todos sabem disso. O incrédulo tem a prova acabada desse medo nas comissões de ética que cerceiam a investigação. Esses grupos de sacerdotes, padres e cientistas e falsos pensadores, que não têm puto de vergonha na cara para se apresentarem a eles próprios como insignes mestres. A velhada nunca teve vergonha! Escamoteiam a verdade: não controlam a ética, controlam a ciência; dizem que a tarefa dos investigadores é científica, quando é política; fazem esquecer que se investiga o que é financiado e não o que é apontado como investigável pelos cientistas. Meu caros, a genética é o maior logro dos nossos tempos. Os seres multiplicam-se aleatoriamente, as células também. O organismo não existe, é uma crença tirada da organização do Estado. O único órgão que existe é o que toca música. Toda a panóplia de catalogação dos elementos do corpo decalca a organização da sociedade, primeiro nesta e depois saltou para a ciência: órgão/organização; função/funcionalismo; estrutura/estruturalismo; normal/anormal; estabilidade/crise (há lá ideia mais parva que a de crise?). E na ciência: estática, dinâmica, inércia, entropia! Baboseiras. Tanta asneira que nem deram nome ao sexo da mulher! Os pulhas! Que saborosos são os termos antiguinhos e populares, mas proibidos. Não estamos perante um avanço da ciência. É o aparelho do Estado que se alastra como um vírus marciano, da organização mundial de saúde à fao e à unesco, essas máquinas de subjugação das consciências, que põem à venda os corpos na praça incomensurável do sentimento mundano.
A reivindicação de uma medicina que regresse à atenção do ser, multidisciplinar e aberta ao desconhecido, representa a maior luta da humanidade nos tempos de hoje. É preciso abrir caminho para a afirmação do homem sobre os degraus do hospital moderno, que é a instituição mais segregacionista que alguma vez pôde ser imaginada. Nem a prisão ou o manicómio do século XIX, que Foucault decompôs para explicar o nosso tempo, atingiu tal patamar de diferenciação social e humana. A genética abre-se, qual crisálida venenosa, perante a sociedade do futuro. Redireccionar a investigação para o campo dos cientistas. Coarctar a intervenção do Estado e das grandes multinacionais. Extinguir o poder dos éticos, a classe dos subsidiados. Dar finalmente asas à criatividade, à imaginação. Eis os rumos que se impõem. Todos são sãos, independentemente das suas características pessoais. Todos os defeitos individuais são articulações do poder do Estado. Remeter o Estado ao orçamento de Estado, eis a tarefa.