sexta-feira, 16 de abril de 2010

Cavaco, o educador monárquico

Cavaco baralha a política com a economia a ponto de não ser possível destrinçá-las. A corrente dominante sujeita os respiros ao mercado. Quem diz respiros, pode acrescentar também os suspiros, tesões, aspirações, evolucroções, torções, razões e explicações. Mercado é um eufemismo para as susceptibilidades das enormes massas monetárias que se passeiam pelo mundo, entregues às apostas de plebeus aspirantes a ricos. Quando enriquecem, vão para gurus ou são simplesmente consumidos pela volúpia numa praia tropical, onde séculos de piratas esconderam tesouros para todo o sempre. O plebeísmo é uma fonte inesgotável de serviçais. Mas como compreender a nuvem de fluxos contabilísticos intraduzíveis que andam pelos mares como caravelas fantasma, a atacar tudo quanto mexa, a transpor todas as fortalezas de desejo que o mundo continua a erguer incansavelmente? O mercado: a bolsa?, a banca? Claro que não! Mercado são os quatrilhões imensos de capital artificial, acumulação de mais-valias subentendidas em dois séculos e três grandes guerras. O fel voraz do nada. A entropia. Dívida e desperdício. A consumação de um terço da capacidade de trabalho mundial. Os restantes dois terços, por tradicionalismos, numa parte considerável do mundo, ou por batalha constante, na parte ocidentalizada, persistem em escapar à voracidade totalitária dessa nuvem sem fito nem destino, que intoxica quanto toca. Assim é também em Portugal: talvez três quartos escapem ao dever do trabalho submisso. Os agricultores precisam de um terço do ano para atingirem o máximo de rendimento. E as empresas de turismo. E as empresas de viagens, de ensino, de saúde, de vestuário e calçado, de marketing. E os canalizadores, sapadores, garimpeiros, emigras e calceteiros. Viva o sol! Uma minoria de trabalhadores permanentes dá ganhos a uma infinidade de tansos. Que melhor pode haver? O Estado a inventar procedimentos e voltinhas de papelada para criar emprego interno, para fiscalizar o emprego interno e para sujeitar todos os outros a qualquer novidade arrasadora. ASAE precisa-se! Lá produção, qual quê! Estatísticas e mais projecções. Se não assapassem pelas IPs e usassem o autocarro, que seria do nosso consumo de combustível? Da nossa indústria eólica? E se os acidentes rareassem que seria do nosso PIB? E do nosso comércio automóvel? E se a água da rede fosse confiável, arrasaríamos o florescente sector das águas engarrafadas! Terra maravilhosa de lancis, rotundas e viadutos, abençoada sejas! Aqui os poetas a cantaram, qual fonte futurista imorredoira. Camões, Pessoa, nossos, absolutamente únicos e inimitáveis. Enquanto se mantiverem numa sombra das nossas recordações, não haverá nuvem que nos submeta.


Mas Cavaco, esse economista retro, fazedor de fortunas alheias, qual Salazar hodierno, sai pespegando a bandeira pátria contra os ventos iracundos da nuvem financeira, alçando os valores pátrios nos dentes refilados, sobre os quais se semicerram os típicos lábios portugueses, inclinados sobre o fechado, a balbuciar cortesias que saem sem jeito, a travar a digestão. Ah! Portuga, esse arroto que não soa distingue-te do mundo inteiro. Por ti e pelos teus correligionários de viagem, uma distinção emérita: a voz de Portugal no mundo. Onde ir então, na pobreza intelectual que por aí grassa, que melhor destino que a República Checa. Essa terra de fachos, capital dos carteiristas e das putas de luxo, que para se alcandorar ao mundo se descartou da parte pobre, a Eslováquia. Uns toscos que se acham lavados por se lavarem, que o grande Kafka reduziu à mais absoluta escuridão para todo o sempre. Uma gente infeliz sem nação, um país sem nome, Checa, tirado que lhe seja o cognome de opressor, República. Uma terra a jeitos de Hitler e de Estaline, que em 1968 a aleivosia soviética salvou da vergonha fascistoide, para onde tende a descambar assim que lhe tiram a bota de cima. No entanto, não se lhe conhece grande fractura social: maioritariamente proletários, educados pelo mínimo urbano, armados em iguais uns dos outros, com uma elite de milionários, estatista e vingativa, reduzida. É isto que lhes permite conter o défice: se não houver dinheiro cortam o transporte, depois o fiambre, depois o aquecimento, depois o sapatito, depois o livrito e vão cortando por aí fora, sem défice algum, até que se transformem no caralho dum gulag!

Se Cavaco queria dizer algo ao portuga, disse-o pela boca gorda do primeiro-ministro checo, o big boss daquele regime, quando se pôs a reclamar dos défices das maravilhosas terras do Sul. Grécia, a divina luz, ameaçada pela espúria nuvem. Portugal o rosto do Ocidente, anunciado por Pessoa. Portuga, lembra-te: tudo menos bofes!

Viva Portugal, Viva o rei!