Em Novembro de 1974, o advogado Luís de Carvalho e Oliveira explicava que as profissões liberais tendiam para a proletarização e que o advogado generalista tinha os dias contados. Preconizava então que a Ordem dos Advogados proibisse o exercício da advocacia aos trabalhadores por conta de outrem e que os advogados se associassem para prática partilhada e especializada da profissão.
Não obstante aquele vaticínio, uma parte muito substancial dos advogados continuam até hoje em prática individual e generalista, enquanto uma parte substancial do volume de negócios tem vindo a pertencer a sociedades de advogados. (Generalistas são ainda a maior parte dos juízes).
O generalismo tem a vantagem de permitir a proximidade com as questões pessoais, familiares e de pequena empresa, na busca de soluções conjugadas e adaptadas à vida dos particulares. As sociedades têm a vantagem da subdivisão interna das tarefas, congregando não só várias especialidades, como principalmente diferentes níveis de responsabilidade e de capacidade técnica.
A arma do advogado generalista é a visão ampla dos interesses em causa, se alicerçada no rigor técnico. A sociedade perfilha visões mais economicistas, burocráticas e automáticas (designadamente em sede de honorários), mas, supondo o rigor no topo, não pode assegurar rigor de execução pelas bases.
Nos últimos 15 anos a lei tem vindo a facilitar a correcção dos erros processuais dos mandatários, sobretudo daqueles que põem em crise a expectativa de ganho de causa, a coberto de uma pretensão de verdade. Este caminho legislativo tem propiciado a proliferação de advogados menos competentes, mormente daqueles que as sociedades seleccionam a muito baixo custo para executar serviços básicos: os riscos de falhanço ganham uma hipótese de emenda. Simultaneamente, a lei tem vindo a impor aos advogados em prática liberal um regime fiscal semelhante ao das sociedades (salvo se suportarem os altos custos do regime de contabilidade não organizada). Agrava-se pois a liberalidade e crescem as suspeitas de manobra por parte dos interesses das grandes sociedades.
Na província, talvez para se facilitar aquele caminho, o crescente gigantismo das Distritais tem dado uma abébia burocrática a pequenos grupos de advogados, que parecem compensar "os sacrifícios da abnegação" em prol do colectivo com a projecção da imagem pessoal no mercado.
Nas eleições de hoje para a Ordem dos Advogados (e já desde 1974), está em causa o modo como as grandes sociedades vão continuar a sua progressão no controlo da advocacia em Portugal. Um processo mais acelerado, com eliminação dos liberais, ou mais mitigado, com conservação da advocacia individual, mais ou menos influenciada pela burocracia de província.
Alguns exemplos: os inadmissíveis atrasos nos laudos de honorários (cerca de ano e meio) afectam os liberais, enquanto as sociedades seguem tabelas e contratos na maioria dos casos; o poder disciplinar nunca afecta as sociedades, e tolhe o exercício liberal ainda que por simples lapso; as baixas remunerações dos tarefeiros das sociedades não são fiscalizadas; o mérito, em especial quando da conquista jurisprudencial de casos concretos, nunca é tomado em conta pela Ordem dos Advogados; o demérito apenas importa em caso de queixa, quantas vezes injusta, do cliente; a mão disciplinar e fiscalizadora da Ordem paira de um modo corporativo (do Estado Novo) e ultrajante para a classe.
Aquele espectro não afecta apenas os advogados. Todos tememos cair na necessidade de ter de escolher um advogado, um tiro no escuro perigoso, mais perigoso ainda se apenas o podermos fazer de acordo com a condição económica de cada um, de cima abaixo na hierarquia de uma sociedade ou no balcão da segurança social. Deve temer-se também que um processo se alongue em incidentes custosos, decididos ao acaso por juízes influenciáveis, desde que um dia as sociedades se lembraram de “matar Alberto dos Reis” e os juízes se deixaram convencer de que assim ganhavam poder de decisão (ganharam poder de confusão, aquele que, segundo a boa teoria, conduz à concentração, isto é, ao poder stricto sensu).
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