Manuel Alegre tem vindo a assumir-se, sobretudo nas campanhas presidenciais, como um lídimo resistente anti-fascista. É um título que não enobrece a esmagadora maioria dos eleitores actuais, pois os compagnons de route que deram o braço a Alegre perderam há muito o direito à vida, e os jovens não têm, felizmente, tantos anos. Aquela atitude de Alegre ganha assim um certo sabor amargo, que recai sobre a morte dos outros.
Alegre antes de Abril de 1974 estava em Argel, onde era locutor de uma rádio que emitia para Portugal cerca de 1 hora de informação contra o Estado Novo. Acho que o ouvi – demasiado jovem para o precisar – uma ou outra vez, no transístor do Manuel Torradinho, na Praia dos Tesos, em noites de Primavera. (neste parágrafo cito de memória, erro que procuro não repetir nos seguintes)
Entrou para o PS no final de 1974 e tornou-se um acólito de Mário Soares, de quem nunca dissentiu ao longo do PREC, em todas as convulsões que afastaram ou geraram oposições internas de tantos quadros do PS. Acolitou-o depois de 1976 nas medidas de eliminação das assim chamadas “conquistas de Abril” e na instauração do regime e sistema económico actuais.
Os cérebros do PS naquele tempo revolucionário foram Mário Soares, obviamente, e Sottomayor Cardia, um dos que a morte ceifou. Não se conhece a Alegre uma posição autónoma naquele período. Seria um porta-voz do PS, fiel à estratégia do núcleo duro.
A história do PREC tem sido resumida como um combate pela liberdade contra os comunistas e, em menor porção, contra os direitistas. O PS foi o garante da democracia actual. Porém, alguns aspectos de Abril não estão esclarecidos. Algumas nuvens penumbrosas pairam sobre algumas cabeças. Alegre, candidato presidencial e velho democrata, parece especialmente obrigado a esclarecer as dúvidas, naquela parte em que tomou intervenção – obrigação que advém do facto de se pôr agora a mandar piçadas antifascistas a todos quanto lhe fazem frente.
Para este blogue, destas questões depende a imagem que se pode construir de Alegre:
Como se sabe – e hoje é unanimemente aceite pelos historiadores – Spínola tentou 3 golpes de Estado. Cada derrota de Spínola potenciou o poder dos comunistas e reforçou a organização do MFA. O primeiro foi um golpe palaciano protagonizado por Palma Carlos (também um grande democrata, por acaso director da companhia de electricidade que recebia informações da PIDE, que lhe chegavam por via do chefe de segurança (vide Conversas com Adelino da Palma Carlos, p. 13), que queria fazer um Governo à sua medida, uma constituição à medida de Spínola e um eleição superrápida de Spínola. O segundo foi o golpe de 28 de Setembro, que contribuiu para a moda das barricadas e das manifestações surpresa. O terceiro foi o 11 de Março, uma palhaçada perigosa que ressuscitou todas as forças negativas do fascismo e do stalinismo, que desde aí passaram a andar à paulada, com perseguições terroristas a Norte e ocupações em Lisboa e no Alentejo – o caldo de instabilidade que propiciou o controlo dos militares logo em Agosto de 1975 (embora não se diga, acabou aí o MFA), mantendo-se estrategicamente alguns focos de instabilidade militar até ao arrumar da casa em 25 de Novembro.
Ora, onde estava Alegre? Era visita de Spínola na casa de Massamá, onde foi preparado o 11 de Março (vide Maria Inácia Rezola, Os Militares na Revolução de Abril, p. 126). Os socialistas dirão que o faziam para tirar nabos da púcara de Spínola, mas, se os tiraram, não os tornaram públicos, e não parece que tenham tentado impedir o golpe.
Dir-se-á que calhou assim. Porém, onde está Alegre a 1 de Outubro? A denunciar a iminência de um golpe de militares de esquerda para o dia 2, anúncio que, por mero acaso, se revelou completamente falso e sem qualquer fundamento (nem o PS o tentou justificar) (vide Cesário Borga e outros, Abril nos Quartéis de Abril, 131, 132). Todavia, enquadrou-se no conjunto de "manobras controladas" que os moderados atiraram aos esquerdistas e comunistas e que vieram a contribuir para o 25 de Novembro (vide Sousa e Castro). Os anúncios de golpes, incluindo o de Alegre, mereceram até, imagine!, uma conversa entre Henry Kissinger e Deng XiaoPing, a 21 de Outubro de 1975, em que este constatou: "informações assim tão precisas não podem ser fidedignas"; e Kissinger corroborou: "nós também não acreditamos" (vide Nuno Simas, Portugal Classificado, Documentos Secretos Norte-Americanos 1974-1975, p. 142).
Sr. Candidato Manuel Alegre, que tal contribuir para a história do 25/04 revelando algo de útil, e os documentos atinentes? Agiu a favor do MFA ou contra?
sábado, 18 de dezembro de 2010
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Fuzeta: a barra do descontentamento
Movimenta-se em Olhão um grupo muito tenso, muito petulante e ostensivo, que acha que faz política ofendendo e disparando disparates à toa. O alvo da crítica é tudo o que mexa. Havendo zum-zum, fazem brado. Olhão no seu melhor pede meças a Gustave le Bon. Têm agora o bom pretexto de o Estado ter finalmente um plano de desenvolvimento para a Fuzeta. Os jornais dão-lhes eco e uma entidade abstracta que dá pelo nome de “pescadores da Fuzeta” serve-lhes de escudo invisível.
No Verão passado, as máquinas recuperaram cerca de mil metros de cordão dunar e abriram uma nova barra – no local previsto há longos anos. Tratou-se de uma intervenção de emergência para evitar que a continuação do mau tempo no corrente inverno viesse a destruir a belíssima ilha que dá praia e ria, abrigo e fonte de riqueza. A abertura da barra representa uma pequena parcela dos custos do conjunto da obra. Todavia, não houve tempo (na dupla acepção de clima e de cronologia) para consolidar a nova barra. Os vendavais têm fustigado a costa – estamos hoje sob uma forte suestada. Formaram-se cabeços de areia ou assoreamentos que dificultam a navegação. A sociedade Polis, que gere a obra, anunciou novos trabalhos para breve – que devem passar pelo reforço Nascente da ilha e pelo encerramento da barra natural que aí existe.
A Fuzeta precisa de uma barra operativa, se necessário com molhes de protecção. Mas todos compreendem que a construção de molhes é um trabalho difícil e moroso, que deve ser precedido da confirmação do bom funcionamento da barra a proteger. Assim se fez, há cem anos, com as barras de Faro/Olhão e de Tavira. Se a barra actual não funcionar, tem de procurar-se outro local; e se se confirmar, tem de estudar-se a eventual colocação dos molhes. Não basta “pôr pedra”, como tem sido dito irresponsavelmente. A pedra amontoada não resiste à força do mar. Os molhes são estruturas complexas que não se fazem com palavras.
Essa entidade abstracta “pescadores”, construída ao gosto da oportunidade jornalística, que ouve, mais ou menos antes ou depois do almoço, um ou outro sabichão, caindo no cerco que Gustave le Bon tão bem explicou, ouvindo zunir, urra, e de tanto querer uma barra com molhe, junta-se à molhada das vozes insanas de Olhão, ficando a gritar que o dinheiro aplicado na Fuzeta foi mal empregue. Estou certo que não sabem o que dizem, se o dizem mesmo ou se o papagaio não é uma invenção jornalística.
Admitindo um pescador ideal, puro e experiente, teremos de concluir que se especializou na pesca; logo, não é especialista em barras. Como ao longo dos anos a ilha foi variando em forma e feitio, a experiência que pode ter acumulado pela observação (se a memória não se lhe toldar depois do almoço), pouco pode saber do que deu causa à forma que a ilha actualmente tomou. Isto é: a descrição da história de um fenómeno não permite, por si, construir uma teoria que retroprojecte a formação anterior ou que projecte a evolução futura – salvo por aproximação. Logo a experiência não é um modelo, nem constitui um saber, para além do que permite descrever o passado. Acresce que a memória é muito traiçoeira, relevando no caso a falta de precisão da descrição das velocidades de avanço da barra, que não evoluiu por igual ao longo dos últimos 50 anos. Ora, tais problemas estão devidamente estudados. Pode perceber-se com maior rigor o que tem acontecido no local pelo estudo da cartografia e pelo estudo da dinâmica do mar e da ilha. Neste particular, Portugal tem alguns especialistas de renome. Os pescadores devem ouvi-los, antes de tomarem posição.
O grupo de Olhão insinuou que a Polis fechou a barra natural aberta pela fúria do mar no final do inverno passado apenas por temer que o mar pudesse vir a atingir os edifícios construídos recentemente na frente ribeirinha da Fuzeta. Querem dizer que, se não fossem os novos edifícios, nada havia a proteger? Das duas, uma: ou aquela barra podia afectar a Fuzeta, com ou sem casas, ou não podia. Na primeira hipótese, a barra tinha de ser fechada; na segunda, podia continuar aberta. Agora, relacionar o fecho da barra com os novos edifícios é de baixa política. Se acham que os edifícios estão a mais, mexam-se, protejam a Fuzeta; se acham que o mar podia afectar a Fuzeta, concordem com a decisão de fechar a barra.
Poderá talvez ter-se por assente que a barra progride naturalmente de Poente para Nascente, no sentido do vento dominante. Partindo desta premissa, parece evidente que não podia manter-se a barra onde o mar a abriu, mesmo em cima da zona balnear, em frente da Fuzeta. A praia seria permanentemente afectada pela instabilidade e insegurança das areias e das correntes. O trânsito de embarcações seria, mais tarde ou mais cedo, prejudicado pelos cordões dunares internos da ria. É importante notar que o canal de navegação existente seria assoreado pelo delta da enchente, enquanto a barra continuasse naquele lugar; e quando a barra se desviasse, não haveria canal algum. Pretende-se uma barra estável, que divague o mínimo possível. Daí a abertura actual.
A actual situação será transitória, espera-se, mas é desagradável. Cabe porém perguntar onde andava a turba olhanense e os seus pescadores arquétipos, tomados depois de almoço pelo microfone do jornalista, quando desde a prometida barra de Henrique Tenreiro e ,depois, de Mário Soares, assistiram à perda da frota pesqueira da Fuzeta, ao definhar da povoação, à morte por santa velhice dos intrépidos pescadores de outrora – esses sim, arquétipos heróicos – e aos ocasionais naufrágios que ceifaram vidas por causa da porra da barra que divaga, como divagam os tolos? Melhor: não se pergunte por onde andaram, pergunte-se por onde andam. Quedem-se, que destroem o resto.
Um bem haja à sociedade Polis Ria Formosa e aos seus administradores.
No Verão passado, as máquinas recuperaram cerca de mil metros de cordão dunar e abriram uma nova barra – no local previsto há longos anos. Tratou-se de uma intervenção de emergência para evitar que a continuação do mau tempo no corrente inverno viesse a destruir a belíssima ilha que dá praia e ria, abrigo e fonte de riqueza. A abertura da barra representa uma pequena parcela dos custos do conjunto da obra. Todavia, não houve tempo (na dupla acepção de clima e de cronologia) para consolidar a nova barra. Os vendavais têm fustigado a costa – estamos hoje sob uma forte suestada. Formaram-se cabeços de areia ou assoreamentos que dificultam a navegação. A sociedade Polis, que gere a obra, anunciou novos trabalhos para breve – que devem passar pelo reforço Nascente da ilha e pelo encerramento da barra natural que aí existe.
A Fuzeta precisa de uma barra operativa, se necessário com molhes de protecção. Mas todos compreendem que a construção de molhes é um trabalho difícil e moroso, que deve ser precedido da confirmação do bom funcionamento da barra a proteger. Assim se fez, há cem anos, com as barras de Faro/Olhão e de Tavira. Se a barra actual não funcionar, tem de procurar-se outro local; e se se confirmar, tem de estudar-se a eventual colocação dos molhes. Não basta “pôr pedra”, como tem sido dito irresponsavelmente. A pedra amontoada não resiste à força do mar. Os molhes são estruturas complexas que não se fazem com palavras.
Essa entidade abstracta “pescadores”, construída ao gosto da oportunidade jornalística, que ouve, mais ou menos antes ou depois do almoço, um ou outro sabichão, caindo no cerco que Gustave le Bon tão bem explicou, ouvindo zunir, urra, e de tanto querer uma barra com molhe, junta-se à molhada das vozes insanas de Olhão, ficando a gritar que o dinheiro aplicado na Fuzeta foi mal empregue. Estou certo que não sabem o que dizem, se o dizem mesmo ou se o papagaio não é uma invenção jornalística.
Admitindo um pescador ideal, puro e experiente, teremos de concluir que se especializou na pesca; logo, não é especialista em barras. Como ao longo dos anos a ilha foi variando em forma e feitio, a experiência que pode ter acumulado pela observação (se a memória não se lhe toldar depois do almoço), pouco pode saber do que deu causa à forma que a ilha actualmente tomou. Isto é: a descrição da história de um fenómeno não permite, por si, construir uma teoria que retroprojecte a formação anterior ou que projecte a evolução futura – salvo por aproximação. Logo a experiência não é um modelo, nem constitui um saber, para além do que permite descrever o passado. Acresce que a memória é muito traiçoeira, relevando no caso a falta de precisão da descrição das velocidades de avanço da barra, que não evoluiu por igual ao longo dos últimos 50 anos. Ora, tais problemas estão devidamente estudados. Pode perceber-se com maior rigor o que tem acontecido no local pelo estudo da cartografia e pelo estudo da dinâmica do mar e da ilha. Neste particular, Portugal tem alguns especialistas de renome. Os pescadores devem ouvi-los, antes de tomarem posição.
O grupo de Olhão insinuou que a Polis fechou a barra natural aberta pela fúria do mar no final do inverno passado apenas por temer que o mar pudesse vir a atingir os edifícios construídos recentemente na frente ribeirinha da Fuzeta. Querem dizer que, se não fossem os novos edifícios, nada havia a proteger? Das duas, uma: ou aquela barra podia afectar a Fuzeta, com ou sem casas, ou não podia. Na primeira hipótese, a barra tinha de ser fechada; na segunda, podia continuar aberta. Agora, relacionar o fecho da barra com os novos edifícios é de baixa política. Se acham que os edifícios estão a mais, mexam-se, protejam a Fuzeta; se acham que o mar podia afectar a Fuzeta, concordem com a decisão de fechar a barra.
Poderá talvez ter-se por assente que a barra progride naturalmente de Poente para Nascente, no sentido do vento dominante. Partindo desta premissa, parece evidente que não podia manter-se a barra onde o mar a abriu, mesmo em cima da zona balnear, em frente da Fuzeta. A praia seria permanentemente afectada pela instabilidade e insegurança das areias e das correntes. O trânsito de embarcações seria, mais tarde ou mais cedo, prejudicado pelos cordões dunares internos da ria. É importante notar que o canal de navegação existente seria assoreado pelo delta da enchente, enquanto a barra continuasse naquele lugar; e quando a barra se desviasse, não haveria canal algum. Pretende-se uma barra estável, que divague o mínimo possível. Daí a abertura actual.
A actual situação será transitória, espera-se, mas é desagradável. Cabe porém perguntar onde andava a turba olhanense e os seus pescadores arquétipos, tomados depois de almoço pelo microfone do jornalista, quando desde a prometida barra de Henrique Tenreiro e ,depois, de Mário Soares, assistiram à perda da frota pesqueira da Fuzeta, ao definhar da povoação, à morte por santa velhice dos intrépidos pescadores de outrora – esses sim, arquétipos heróicos – e aos ocasionais naufrágios que ceifaram vidas por causa da porra da barra que divaga, como divagam os tolos? Melhor: não se pergunte por onde andaram, pergunte-se por onde andam. Quedem-se, que destroem o resto.
Um bem haja à sociedade Polis Ria Formosa e aos seus administradores.
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