Maurice Duverger desenvolveu o conceito de semi-presidencialismo da V República Francesa precisamente na época em que Portugal de Abril tentava construir um novo regime político. Aliás Portugal abriu caminho para dezenas de outras novas democracias, na Europa, em África e na América. É necessário ter em conta que Duverger acreditava que construía uma ciência e se considerava a ele próprio um cientista (título que, por pura genialidade, lhe deve ser reconhecido).
Ganhou então foros de lei social a crença de que as sociedades periféricas com democracias recentes poderiam conhecer estabilidade política adoptando o regime semi-presidencial. Basicamente, o controlo do Governo é parcialmente deslocado do parlamento para o presidente, cuja legitimidade é aumentada pela eleição directa. Jorge Miranda teve influência na arquitectura do regime português, e tem-no exportado, com o beneplácito da Europa liberal e da Igreja Católica, para as ex-colónias portuguesas. O semi-presidencialismo persiste em Cabo Verde, São Tomé e Timor, falhou na Guiné e tenta furar Angola e Moçambique, na mira do fim das actuais ditaduras.
Aquele sistema difere das democracias tradicionais, como a Inglesa, por atribuir ao presidente uma função moderadora que deveria caber ao parlamento e, em caso de impasse, ao eleitorado. Parece que há uma minorização do povo, que não é chamado a intervir nos momentos de crise. Mas na verdade há uma inferiorização do parlamento, que não assume suficiente responsabilidade perante as dificuldades, desculpabilizando os partidos pelos deputados que escolhe, pois a responsabilidade pode ser atribuída ao presidente, e é sempre possível discutir sobre a actuação dele. Daí que o único partido até hoje castigado pelo eleitorado tivesse sido o PRD, precisamente de raiz presidencial, dependente do spinolista Eanes.
Não se verifica que a instabilidade constante da Bélgica ou da Itália, países parlamentaristas, haja prejudicado o desenvolvimento económico, os negócios e a vida social, ou que conduza a eleições excessivas, que coloquem “o poder na rua” - esse temor dos estatistas, secretistas e negociantes, que o povo conserva devotamente no poder. Verifica-se sim que a desresponsabilização do parlamento operada pelo semi-presidencialismo conduz a corrupção, a populismo, a baixa qualidade dos deputados e a manobrismo dos partidos. Aumenta também a influência política externa ao transferir os assuntos do Estado para a esfera privada do presidente, dos chefes de partido e do primeiro-ministro. O semi-presidencialismo é pois um regime do terceiro-mundo, a par das ditaduras mais ou menos disfarçadas.
Preferimos neste blogue o parlamentarismo e o aumento da judiscialização dos actos políticos com efeitos sobre o orçamento. Dito isto, é evidente que não gostamos de eleições presidenciais: fazem sentido nos Estados Unidos ou em França, regimes presidencialistas, e em Cabo Verde ou Timor, regimes pré-democráticos que transferem para o presidente os assuntos de Estado. Em Portugal, tem conduzido a uma falsa alternância entre PS e PSD, que nunca são efectivamente responsabilizados e vão mudando de saia e camisola de eleição em eleição, com um despudor lamentável. E permite também que o PCP e o CDS vegetem na babuja do orçamento, sem chama nem um resquício de inteligência. A ideia de partido-empresa é tão boa em Portugal, que até imventaram mais um: o BE. Na verdade, aquilo dá dinheiro, muito.
A presente campanha eleitoral avisa dos perigos futuros do semi-presidencialismo: os candidatos são demasiado velhos e sem percurso conhecido (salvo Cavaco), pois a função de deputado que alguns deles assumiram nada nos diz sobre as suas ideias e aquele que tem uma empresa de assistência médica aos estrangeiros pobres ou o outro que berra na Madeira, têm um passado vazio. Mas observe-se como discursam, como concentram em si o destino do povo, se eu não for eleito vocês serão uns infelizes, se eu for eleito resolverei os vossos problemas, eu sou digno de confiança, mais do que outros, eu sei o que vou fazer, confiem em mim. Que raio, que treta de conversa é esta senão um discurso fascistoide do homem providencial, um Sidónio salvador do povo, da populaça e das madames fru-fru?
Tenhamos maturidade! Portugal é um dos países mais ricos do mundo. Tem uma longa história, que ensina democracia à Bélgica e à Itália. Mandemos às urtigas os pelintras que não aceitam o serviço nacional de saúde e que, na velhice, querem andar com um médico e uma unidade anti-AVC atrás deles, paga por nós, e querem pôr a família em boas posições nas grandes empresas (como estão os filhos de Sampaio, de Cavaco, todos por elevado mérito pessoal). O peso de negociatas e de mini-seita que os presidentes geram (Eanes foi um general a sério nessa matéria) é pernicioso. Sabemos que nenhum deles tem ou pode ter uma solução para a economia. E sabemos também que vem aí uma crise que exige soluções inovadoras.
Então, Prof. Jorge Miranda acabe lá com o semi-presidencialismo.
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