quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Escola de Sicofantas

A notícia é simples e não confirmada: num jardim-de-infância, cada criança assume por um dia a responsabilidade de “representar” o grupo a que pertence, transmitindo à educadora as questões que considere pertinentes ou que lhe sejam perguntadas; certo dia, um desses responsáveis informa a educadora de que um companheiro fez um gesto obsceno no recreio; a educadora castiga o prevaricador, desnudando-o na presença do grupo; os pais acham o castigo injusto e chamam a televisão.

Até há bem pouco as escolas proibiam a denúncia. Os sicofantas eram seriamente desaconselhados. Paulatinamente, um torpor de responsabilidade, de culpa e de castigo, de procedimentalização dos comportamentos e de formalização dos discursos tem vindo à tona, ganhando espaços, inquinando as relações de companheirismo, o convívio desinteressado, invadindo a intimidade, fazendo-nos públicos, analisáveis, inseríveis e reinseríveis na escola ou na sociedade.

Faça-se um relatório descritivo que aclare ou confunda, tanto faz, as causas e os efeitos de um tal miserabilismo. Faça-se depois um novo relatório que confirme ou infirme aqueloutro. É preciso porém parar de imediato a instigação do bufismo na escola e na sociedade. Quem descortinar naquela notícia um problema com o castigo, está vesgo, vesgo de puritanismo, pois apenas acorda quando o mais íntimo é tocado: o pudor. É preciso ver plenamente a desgraça que retorna como um anjo negro, assombrando as crianças com os mecanismos controladores de uma inquisição que nunca mais abala. Como europeus, devemos aspirar a um mundo desimpedido de ouvidos perscrutadores, de olhares castradores, de línguas viperinas e de castigos moralizadores. Queremos andar livres nas ruas e nos espaços públicos, sem delatores, sem boateiros, sem remelosos infamantes à perna. Se alguns educadores das nossas crianças não se apercebem desta necessidade, faça-se uma lei, desse-lhes formação, que diabo.

A nossa net é um bom exemplo de sicofantismo, de preocupação arrebanhadora de informação alheia, quando comparada com a brasileira, espanhola ou francesa, por exemplo. Salvo raros sites de qualidade, abundam os registos de dados pessoais, as anotações de IP, as janelas de pop-up que obrigam a cliques, vigora a parcimónia informativa e até algum comércio on-line omite os preços, exige participação do visitante, e às vezes falha a informação ou bloqueia depois de receber os dados. Uma mesquinhez serôdia, para vender informação a estranhos, traçar consumidores ou simplesmente para emulação sicofantista. Continua por isso a ser mais vantajoso fazer buscas em inglês, francês ou espanhol. Esperemos que não venha a ser mais vantajoso emigrar, como sucedeu a dezenas de gerações de portugueses.

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