quarta-feira, 22 de abril de 2009

Para acabar de vez com o 25 de Abril




Comemoremos o futuro. Suplantemos os atavismos do passado. Libertemos as crianças e os jovens do peso dos avós. A mensagem transformadora da história consiste na radical projecção dos acontecimentos: sempre esquecidos, mais tarde ou mais cedo, sempre suplantados. Comemorar a revolução francesa? Que banalidade. Nós somos ainda aos filhos da bandeira da igualdade, da liberdade e da fraternidade. Trazemos no ventre os crimes dos jacobinos e os vícios burgueses, mal aprendidos e mal digeridos. Plebe que afoga os corações puros. Gente subsidiada. Ressabiados, a fazer carreira. Ignaros sobre o sofrimento alheio. A vossa solidariedade, o tanas!

Suplantemo-nos, a nada mais podemos honrosamente aspirar. A esse soldado merdoso que deixou crescer o cabelo sobre a farda, um grandessíssimo tchau! E também ao aparadinho. À merda com as medalhas! Messes refinadas de bebedores de uisquies. Respirais sobre o sangue de gerações famintas, de homens roubados à terra, mandados para a mata do medo, sem protecção alguma, bravos braços cheios de vento e de força de alma, que comungaram do mesmo suor que o moleque impúbere da aldeia inóspita. Aqueles capitães reivindicativos, afinal, salvaram da guerra a fornada seguinte. E que tem isso? A fornada seguinte teria acabado com o regime salazarista com um simples peido, não precisaríamos para nada de capitães, de subsidiados, de comendas, de revolucionários de pacotilha, a beberem do orçamento, da Alemanha, da Rússia, da América, de Angola, da prima! Quero hoje, finalmente, liberdade. Ide-vos, palavrosos da messe, que sois os primeiros a merecê-lo.

Se a liberdade do povo pode ser revisitada na independência do Estado, então basta-nos o 1º de Dezembro, à falta de data da independência original, ou Aljubarrota. Mas uma data não pode ser comemorada com alegria, pois pertence à história. O passado não nos impele, impele-nos o futuro, o medo de quedar, a força que os nossos filhos devem poder largar sobre o mundo. Nunca deixes que te recordem que foste escravo! E, se o fizeres, nunca reconheças o libertador. Spartacus é, por natureza, um vencido: liberta, mas não pode conduzir. A libertação impõe a igualdade e esta proíbe o reconhecimento. Mas mantém o alerta geral contra a submissão, peçonha congénita, e contra as oferendas de coragem alheia, ardil dos oportunistas. Será longa ainda a caminhada e traiçoeiro o caminho.

Hoje, lamentemos aquele sucesso, por um breve dia. O castigo imenso que recai sobre os vindouros, os nossos filhos, de suportar uma geração subsidiada, os abrilistas. Relapsos fantasiosos, pouco dados ao mérito, cultores de todas as adiposidades, refastelando-se no Estado. Do pelintra coxo, reformado por invalidez, ao político salvo seja, reformado por labreguice, que continua a tagarelar. Do jornalista subserviente, armado em negociante de marquetingue, baboso, a arranjar tachos para a família, ao empresário sorrateiro, a comprar casa no Brasil, a ofechorizar, a choramingar por verbas. Um orçamento de Estado magnífico que dá para trocar de carro e descontar no IRC e que faz carreiras públicas garantidas do secundário até ao caixão: tantos subsidiados inúteis, reivindicativos, ufanosos, burricóides, a clamar por dignidade. À merda com a dignidade, seus burlões. Os vossos empregos são tachos.

Esta página da história tem de ser esquecida. Libertemo-nos, por fim. Suplantemo-nos. Não tenhais medo. Fazei como os abrilistas. É preciso que entremos também na história, enquanto geração, se quisermos ser perdoados pelos vindouros. Quereis um programa de acção? Aqui tendes: é proibido latir! Nada de foguetes, que são ainda rescaldo da submissão. E que à meia-noite se solte dos peitos um uivo libertador, largado sobre o silêncio, abrindo a alma para o futuro.

2 comentários:

O Amigo Zé disse...

Gostei e não gostei.
Não há futuro sem passado.
Comemoremos o futuro, sim, mas honrando os que lutaram e morreram pelos ideais de liberdade, de libertação colectiva. Seja no 1 de Dezembro, seja no 5 de Outubro, ou no 25 de Abril, seja no 4 de julho!

Os cobardes, os ressabiados a fazerem carreira, os subsidiodependentes, e todos os que se identifiquem e enfiem a carapuça, que os há (!), que pensem se vale a pena viver uma vida mediocre.

Suplantemo-nos, sim, mas não renegando a história colectiva, a história civilizacional.

A história e o futuro constroem-se diariamente. As rupturas assustam e metem medo. Por isso tanta resignação e falta de capacidade reinvindicativa actual. Os políticos não têm a culpa, são e fazem parte deste colectivo infiferente. Portanto, faz falta uma reflexão séria sobre esta temática, e levar os melhores à política, e aos cargos de decisão colectiva.

Portanto, não compreendo: Porquê tanto ódio aos militares de Abril?
Bons e maus sempre foram uma constante social. Está bem? está mal? ok, mas qual a alternativa? a utópica anarquia? Um estado pseudo-igualitário? Nós não somos tão maus assim, como o meu Amigo João quer fazer-nos crer. Recuso-me a pensar sequer nisso.

Pode haver evolução, construindo o futuro, com maior oum menor ruptura, suplantando os atavismos do passado, mas conservando o que os nossos pais e avós nos deram de melhor! Uma vida em Liberdade política! Caso assim mão fosse, o Autor destas e do texto inicial estaria já há muito preso ou degredado.

E quem é que garante que «bastava um peido» para o regime cair?

Não corresponde à verdade histórica, nem às vivências individuais bem presentes ainda nos maiores de 50 anos. O regime prendia, coartava a liberdade, amordaçava-nos e restringía-nos. E a Guerra Colonial tornou-se insustentável, anacrónica, e precipitou sem dúvida os acontecimentos.

O tempo tudo muda e dilui as memórias, e é inevitável que assim aconteça. Mas é imprescindível amar a vida, a esperança, os homens bons, os que nos OFERECERAM esta liberdade de falar, de expressar, de sentir, de viver!

Por isso, digo e reafirmo:

VINTE E CINCO DE ABRIL, SEMPRE!
Um abraço de solidariedade e democrático para quem é meu Amigo e tem opinião tão diferente da minha

Zé Correia

peixe banana disse...

Epá, você deixou-me a pensar, não é nada que eu não tenha já pensado de alguma forma sem no entanto ter sequer tentado contextualizar.
Gostei bastante da forma e do conteudo. Vou passar a ser seu leitor concerteza.