O anuncio passa exaustivamente na TV, por ora. Pode vê-lo melhor em http://www.youtube.com/watch?
Uma mulher jovem e bonita dança ao som de Katrina And The Waves - Walking On Sunshine Lyrics. O apartamento é luxuoso, num arranha-céus de Manhattan. Sai do duche com uma simples toalha e, tomando a embalagem da canção, rodopia despreocupadamente pela sala. Empregados de escritório de um edifício fronteiro extasiam-se com a cena. A jovem apercebe-se, olha-os de frente e deixa cair a toalha. E bebe provocadoramente o sumo de ananás da Compal.
Interpretando: a decoração do apartamento, pela exuberância, exclui a possibilidade de pertencer a um hotel e, pela frieza dos elementos, exclui também a possibilidade de se tratar da residência da jovem (note-se, além do mais, a casa de banho despojada). Por se deixar surpreender pelos vizinhos cuscos, podemos concluir que desconhecia que poderia ser observada tão facilmente. Pela pobreza dos alimentos, apenas sumo Compal e ananás, adivinhamos que não toma o pequeno almoço, nem um lanche, mas uma simples bebida. Os rolos de projectos de arquitectura e a maquete, no centro, e ainda os desenhos emoldurados, sob as janelas, revelam que o apartamento pertence a um projectista ou executivo da área. A sobriedade do estilo, o cuidado viril e a profusão de riquismos indiciam que o dono do apartamento é um homem. Conjectura-se que a jovem não mora no apartamento, que está de passagem e que o dono talvez esteja no quarto. Sentindo-se surpreendida pelos mirones, a reacção da jovem é ostensiva.
Trata-se de um caso de publicidade dentro da publicidade. A Compal aproveita a publicidade (promoção) que a jovem faz de si própria, para se promover, exibindo reforçadamente a marca do sumo. A questão que se levanta é a de apurar a validade de tal posicionamento no mercado: provavelmente nulo.
Quando Paulo Rangel, no recente livro, questiona o estilhar do Estado por uma miríade de poderes divergentes e "assimétricos" (termo infeliz que não derivará de uma geometria, mas de uma árvore de Chomsky), faz-nos, em primeiro lugar, pensar no estilhar dos poderes da publicidade e do marketing, que deixaram de depender do controlo da empresa, para servir interesses específicos das agências ou até dos gestores de topo. Em segundo lugar, não pode deixar de surgir, como crítica, que ver-se nesse ou naquele estilhaçar uma perda de poderes do Estado ou da empresa revela uma profunda ingenuidade.
A Compal precisa tanto da escort, como o Estado precisa dos observatórios, ainda que não acedamos a beber o sumo, nem venhamos a aproveitar da observação. O Estado propaga-se, a empresa dilui-se.
Sem comentários:
Enviar um comentário