Não são precisas estatísticas de maior para tomar o pulso à disparidade de rendimentos em Portugal: basta acompanhar a série “Minuto Verde” no noticiário da manhã da RTP1. Em dias alternados, ora um sujeito gordo promove métodos de poupança de energia no aquecimento de vivendas de luxo ou sistemas de limpeza de piscinas privadas com recurso a algas e outros naturalismos, ora uma mulher escanzelada aconselha o uso de fraldas de pano, em vez das “poluentes” fraldas descartáveis e desce ao pormenor de, com idêntica finalidade, aconselhar as mães que amamentam a reutilizar os panos dos mamilos. Não se esquecem, um e outra, de realçar a “poupança” que se consegue obter com aqueles conselhos, com uma ingenuidade de antanho que faz acreditar que a senhora da vivenda poupa na conta da luz e na conta dos mamilos, ou que a mãe pobre tem piscina e gasta em fraldas. Há-de havê-las, são da Quercus, associação ambientalista que tem a responsabilidade daquele programa.
O higienismo, ainda que disfarçado de economia doméstica ou de protecção da natureza, é dirigido separadamente a ricos e pobres, trazendo ao de cima a cruel partição dos rendimentos. A vivenda, que destruiu os solos naturais, muitas vezes com aptidão agrícola, que tolhe as linhas de água, que se apropria da paisagem, a piscina, que delapida o recurso fundamental do século XXI, ambas construídas com materiais altamente poluentes, cuja produção afecta a natureza (cimenteiras, inertes, minas) passam por ser “amigas do ambiente” se tiverem painéis solares subsidiados pelo Governo ou uma área aumentada para respaldo das ervas, com o consequente reconhecimento do benemérito proprietário. Por seu turno, o bebé é um cagão poluente mais perigoso que os milhares de artigos de supermercados envolvidos em caixas, caixinhas e plásticos, as mais das vezes inúteis (mas úteis para reciclar, essa baboseira da política de hoje, que promove a conversão do desperdício em matéria-prima através de uma indústria pesadíssima e hiper-subsidiada, com avultados custos de transporte e de processamento, que o pobre e o rico pagam em igualdade (veja a factura da água)) e a coitada da amamentadeira nem um panito do mamilo pode desperdiçar, ainda que não ganhe um subsídio por isso. Falta-lhes dizer que a maior poupança ambiental é não ter filhos, deixar a vivenda devoluta e a piscina vazia.
A Quercus espelha a grosseria serôdia da ideologia que domina o país. Não é admissível a propaganda dum ambientalismo que vai contra, nos seus fundamentos e na sua execução, a qualidade de vida da comunidade e que desrespeita as pessoas, perante a discrepância de rendimentos que exibe, num miserabilismo perigoso, muito salazarento.
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1 comentário:
Está um artigo incisivo, crítico e pedagógico, como sempre nos habituaste neste teu blogue.
Só não acho muito «elegante» estares a reforçar a ideia de partida com o «gordo» e a «escanzelada». É irónico, ajuda à percepção do caricato, mas era dispensável, porque entrevê-se nesta tua construção uma padronização do "corpo perfeito", das medidas socialmente aceites como bonitas ou correctas, sendo que essa atitude enferma ela própria dos mesmos defeitos, ressalvando as devidas distâncias, ou seja, das grosserias serôdias da nossa sociedade. Ao menos, não será salazarenta... como esta que descreves muitíssimo bem!
Como deves calcular, é um teu amigo algo gordo, e que já foi algo escanzelado que está a falar...
um abraço!!!
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