O futebol é das raras disciplinas técnicas que ainda vive de segredos bem guardados. Enquanto as ciências, as tecnologias e as artes estão protegidas por direitos de autor, propriedade industrial e royalties, no futebol, como no direito ou na gastronomia, o saber tem de refugiar-se dos olhares cobiçosos. Não se encontram manuais úteis nas livrarias e os cursos de treinadores estão ao nível da formação profissional do IEFP. Por se desconhecer as suas artes, se admira tanto os que vencem, como se fossem prestidigitadores. E também por isso se lhes atribui capacidades mágicas de sedução (Mourinho que seduz os jogadores e outros imaginários), quando afinal os seduzidos somos nós, num jogo estranho em que o rude adepto se projecta no ídolo, qual menina perante os Beatles.
Basta rememorar o fantástico jogo do passado sábado entre o Inter e o Bayern para perceber que não fazem qualquer sentido as frases que os comentadores futebolísticos repetem jogo após jogo: a posse de bola não dá domínio do jogo; a equipa que mais ataca não é a que mais merece vencer; os tentos falhados não são quase golos; os cantos não se ganham, mas resultam de lances de ataque perdidos; os espaços não se ocupam, como soldados num teatro de guerra, pois joga-se a quatro dimensões, numa combinação de movimento, corpos extensos e tempo; que não há ânimo que resista ao desnorte táctico e que, pelo contrário, a disciplina, a segurança das informações disponíveis e a pujança física potenciam o ânimo.
Não deve ser difícil descobrir jovens promessas ou craques nascentes. As qualidades dos atletas são visíveis a olho nu, daí chamar-se "olheiros" aos que desempenham tal tarefa. Os testes médicos permitem avaliar as capacidades de progressão e resistência, e os exames psicológicos, as capacidades de disciplina e inteligência. Se se observar tantos jogos de um jogador, pode-se saber se é promissor. Mas tem-se apenas um diamante em bruto. Para que evolua, é preciso um treinador que, sabendo previamente o que pretende pôr em jogo, o conduza a enquadrar-se nesse jogo, num trabalho específico. E tal tarefa não se revela a todos. É exclusiva dos grande treinadores (que sabem, por exemplo, que a um jogador que ganha uma disputa difícil nem sempre é exigível que esteja simultaneamente a ler o jogo para o lance seguinte, pelo que precisa de um jogador de apoio, que por sua vez se socorre dos outros num trabalho em rede, e que o funcionamento dessa rede tem de estar devidamente medido e calculado, com objectivos precisos em cada ponto).
Carlos Queiroz deixou a televisão filmar, há dias, o processo de preparação e selecção dos jogadores nacionais. Fez uma base de dados em que registou as jogadas dos seleccionáveis nos diversos campeonatos (tantas jogadas à esquerda, tantos remates para o ar, quedas, fintas, etc.). No final, obteve um somatório de informações que terão servido para formar a actual equipa de Portugal.
O esquema ilude. Baseia-se num taylorismo dificilmente concretizável. Como as tarefas a desempenhar não são rígidas, nem pré-determinadas e os jogos observados não são os da selecção, a base de dados não se torna operativa sem recurso a modelos matemáticos altamente complexos. Qualquer pessoa que tenha de processar grande quantidade de informação produzida de modo aleatório tem de recorrer à intuição, ou tem de desenvolver algoritmos pesados, que têm de incorporar todas as técnicas e artes envolvidas. Trata-se de uma dificuldade que as ciências sociais ainda não resolveram e, por isso, se ficam as mais das vezes pela estatística.
Vendo agora o jogo Portugal - Cabo Verde, acho que Queiroz não tem intuição nem matemática, e que lhe falta transmitir aos jogadores qualquer coisa para fazer dentro do campo. Podia telefonar ao Mourinho...
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