domingo, 4 de julho de 2010

Para acabar de vez com “Câmara Clara” e outras tretas da RTP

Pouco há de mais triste do que assistir ao anúncio público de que um velho não é virgem e mais triste ainda se é um poeta e o diz na própria pessoa. A virgindade seria sim uma imensa abertura para um mundo novo, uma recriação verdadeira da alma prestes à consumação, como Inês perante Tristão. Agora um velho que esteve em Londres quando novo e faz uns versos, que hoje é uma prosa graficamente sincopada, curta e de segredos escondidos, como um gato de bigodes longos e farfalhudos à espera da deita da dona para se lançar sobre os copos sujos da cozinha, esse velho de queca recordada, babujona, parece-se com um porco de dentes lavadinhos, sem a esponsal de circunstância de tempos idos, idos, idos. Ah! Quem dera a pureza intocável de um basculino estumescido, mãos arrepiadas sobre os lençóis e os olhos fitos no pecado que esvoaça pelas vielas esconsas. Nisso, Virgílio Ferreira continuará imbatível. Um poeta virgem, por fim o milagre. Um poeta é um aldrabão, tudo bem, mas se gabarola, é uma rolha!


Que há de mais triste do que essa conversa de que fui feliz em Londres, que andava descalço e esfomeado, com fartura de gajas. E a cultura, o museu da porra onde as engatava e o livro no jardim, mesmo à chuva, por onde ela passava e se admirava da minha persistência no livro e no seu caminhar e no pão quentinho que me matava a fome no seu quartito ridículo onde me abraçava e mimava. À porta de qualquer liceu três pretos, que podiam ser brancos, discorrem sobre as distintas calosidades de todas as pachachas do mundo com maior profundidade boceira que esse poeta de pés curtos e verve dormente, que não se cala sobre um passado mesquinho de pão e calor.

Que há de mais triste, sendo porventura poeta, que passar a vidita a desditar a melosa de pechisbeque que sim que também ela pode sentir a profundidade inigualável que o levou à viagem insuperável da escrita sobre os corpos pobres das sopeiras de Londres, sobretudo se se calar e der ao trabalho de ouvir os convidados. Sextas-feiras de borracheira supridas por recolhimentos necessários no tal quartito, uma vez ali, outra vez acolá. Ah! Quem me dera o cuartito 22 de La Sonora Matancera!

Há ainda uns tipos a lerem num visor que na sala está onde nós estamos e ainda assim não sabem onde pôr os braços e os movem como autómatos com olhos de borracha e líquido para chorar. Amanhã não perca, perca do Nilo! Mais uma conversa mole dum tipo de dentes perfeitos que consegue articular com os lábios cerrados, um prodígio do monocórdio que fala, obviamente, em todas línguas como um autóctone, uma treta para revolver o sono dos justos.

O pior crime do socratismo psista foi a destruição da RTP 2. Não havia necessidade, que diabo! Tanto filho-família na porra do penico é demais. Acabaram com a televisão cultural, dedicam-se a velhos sobrevivos, esses os ainda televisionáveis, que os poetas enterrados não dão entrevistas, uns merdas intoleráveis que, entre bares e festinhas de charme pútrido, se lançam aos milhares de euros que vão saindo do público erário, quais estrelinhas do jardim de infância, nas festas de Natal, ah! Que saudades! E tantos são os que não as escondem.

Alguma vez, algum critério sequer. Nã! O pivot mais sofrido não leva menos de 12 mil euros, com roupa e carro, e os directores alçam-se por aí acima, ganham quase tanto como eu, quem julgam que são. Ao menos parem com os sequeteches de vampiros e de hospitais, alarguem-se um pouco, vão para Londres, poetizem-se, deiem-se ao amor da escrita (enfim, cuidado para não ultrapassarem os lugares disponíveis nas prateleiras, à conta de heresias sem castigo, de que bem precisavam). Apetece dizer, se velhos, Bukowski, que é como quem diz: fora choco!

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