domingo, 28 de março de 2010

Fuzeta e a praia de Moncarapacho

Tendo o mar destruído uma parte da ilha da Fuzeta, precisamente onde se ajuntavam as barracas de praia, abrem-se uma série de questões fundamentais para o futuro daquela antiquíssima terra de pescadores.

Uma das primeiras conclusões que pode desde já tirar-se é a de que, opine o povo o que quiser, discuta este grupo contra aquele, proponha algum serioso uma solução, nada disso terá qualquer influência no que for decidido e executado pelas autoridades públicas, ou seja, pelo Estado. Por três razões: 1) desapareceu o povo corajoso que exigia a barra e o porto ao fascismo, desapareceram os homens de mar de palavra grave e segura, falta o amor à terra e o respeito pelos antepassados; 2) abunda a dolência subsidiada, o falatório maledicente, a pura ignorância, a subserviência aos distribuidores do ridículo bodo que lhes vai cabendo; 3) e o Estado, que se escuda nos técnicos e depois na “falta de verbas”, não ouvirá o povo, antes continuará com vãs promessas. A Fuzeta degrada-se a olhos vistos, de ano para ano. Uma povoação feita por gente brava e intrépida está entregue a montanheiros e a boçais de garganta alçada como um punho fechado. Uma tristeza!

A mais evidente demonstração do que acima afirmamos manifesta-se no facto de, volvidos 36 anos de democracia e se calhar por causa dela, continuar a Fuzeta dividida em duas freguesias, uma da Fuzeta propriamente e outra nas extremas do território de Moncarapacho. Será a única povoação do Sul em que tal problema assume uma gravidade crucial: a Fuzeta não tem centro de saúde, escola C+S, depósito de água, salinas ou vinhas, está tudo em Moncarapacho. Torna difícil o planeamento e a justa distribuição de recursos pelo Estado. Mas distribuem-se também os votos: como a população da Fuzeta tem tendência a votar maioritariamente PS, a que cai na freguesia de Moncarapacho vota lá, pela maior parte, e assim o PS tende a ganhar nas duas freguesias. Estará aqui uma das causas da actual situação.

Vem agora o pensante observar que o mar abriu a ilha onde há 50 anos havia uma barra. E acha-se tudo muito natural. Pois é mesmo esse o problema. Na Ria Formosa as barras abrem-se onde a natureza quer. É na sua proximidade que devem fixar-se os pescadores, os portos, o turismo. Ao longo de milénios foram surgindo povoamentos nesses locais e foram desaparecendo quando as barras fechavam ou as passagens assoreavam. O caso mais conhecido é o da cidade romana de Balsa, frente à actual Luz de Tavira. Mas também se conhece o de Tavira, que foi capital do Algarve e um dos principais portos de Portugal e perdeu o cargo para Faro, pelo assoreamento e deslocação da barra. A barra do farol está onde está porque foram construídos molhes de protecção, logo no século XVIII, por várias vezes reforçados e reconstruídos. Este pormenor manteve Faro capital do Algarve, numa época em que dispunha do único porto com canal navegável para embarcações de grande calado e o transporte se fazia por barco (com o declínio do comércio marítimo, Faro mantém-se capital apenas por beneplácito do Estado). A actual barra de Tavira foi construída pelo homem. Em Cacela Velha, há alguns anos, o cordão dunar também foi destruído pelo mar e reposto pelo homem.

Portanto, se quereis manter a Fuzeta consolidada, o acesso ao mar, o porto de pequenas embarcações e o turismo, não há solução que não passe por interferir no processo natural da ria, fechar, abrir ou consolidar barras. Estas obras têm de assumir um carácter duradouro, que garanta a estabilidade da economia local.

Outro aspecto fundamental é o da protecção da natureza riquíssima e belíssima que circunda a Fuzeta. Tem de ser protegida dos abusos, seja do excesso de turistas, seja do excesso de obra, em especial a que tem caído sobre o entorno marítimo. Será errado massificar o acesso à praia num curto cordão de duna, como também o será distribuir-se veraneantes por todos os lençóis de areia. Quanto mais perto do mar estiver o porto do recreio e mais perto da ilha estiver o transporte de passageiros, menos poluição se gera. Quando se debate se deve manter-se a barra que o mar agora abriu, não pode esquecer-se uma questão essencial: hoje a Fuzeta não pode subsistir sem turismo e este sem acesso marítimo à ilha. Enfim, quanto a soluções, leia-se o segundo parágrafo deste texto.

Qualquer solução alternativa à localização tradicional da praia da ilha, coloca-a na área da freguesia de Moncarapacho, pelo menos em parte. Têm pois aqui os moncarapachenses o seu momento de glória, eles que tanto lutaram pelo reconhecimento da praia do outro lado da ponta das pedras, pobrezinhos, vão poder ufanar-se da praia de Moncarapacho. Talvez assim a Fuzeta acorde.

É preciso delimitar uma nova área da freguesia, da torre redonda à EN125, com excepção de Bias, e da EN125 até o limite do concelho de Tavira. Simultaneamente, é preciso abrir à discussão pública o planeamento do território, o que pode ou não urbanizar-se, a actividade piscatória, a localização do porto de recreio, as áreas públicas de lazer, um novo parque de campismo e infra-estruturas turísticas. É neste quadro que se joga o problema da barra.

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