quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O lago dos Cisnes

Quando andamos cá fora talvez não nos apercebamos suficientemente da direcção dos comentários sobre as faltas de respeito aos valores de cidadania (usemos assim, perdoe-se a singeleza, esta expressão para nomear as vozes que se queixam dos abusos dos outros, que o sentido do texto não permite esclarecimento sobre este ponto). Os outros não respeitam ou violam a dignidade de pessoas ou o destino dado a certas coisas. É evidente que o queixoso que se queixa não se inclui na categoria de outro. O estacionamento sobre o passeio, o peão que se atira inadvertidamente sobre a passadeira, os carros que se projectam desamparados sobre o vazio (algo a que alguns condutores confundem com destreza e eficácia), os dorminhocos que têm pressa, as caras à banda e as caretas que se deitam sobre os vizinhos, os corpos que se interpõem nas intersecções previsíveis dos peões (manifestação do atavismo crepuscular segundo Dali), as mulheres que clacam a dentadura com a desculpa da pastilha,o alarme do carro que toca e toca, a buzina que idem, aspas aspas, os piscas que não se fazem, enfim uma infinidade de coisitas, que só os professores, com o seu jeito para os relatórios, conseguem elencar e elencam sobre os seus alunos, os pais deles, os colegas e a ministra.

Vem o comentário a propósito do Ballet Imperial Russo que hoje (sessão da 18h)dançou o Lago dos Cisnes no teatro municipal de Faro. Uma companhia de profissionais de grande, enorme estaleca, que fizeram com elegância a proeza de inebriar a audiência com um desempenho fulgurante, nos dois últimos actos sobretudo. A música apaixonante e encantadora de Tchaikovsky exalta o modelo romântico, projectando-o para um mundo de sonhos, que confunde a realidade com a ficção. O libreto evoca o niilismo: um príncipe que se recusa a entrar no mundo dos adultos é levado a dar sentido à sua própria vida, lutando pelo amor de uma jovem enfeitiçada por um mágico mau. A música, em quadros evocativos da acção, transporta-nos para um mundo de fantasia, onde cada espectador pode dar asas à imaginação, levantando os pés desta terra vã. Os bailarinos movem-se com uma facilidade tal que até fazem crer que o mundo dos sonhos se realiza mesmo.

E o público extasia-se, aclama, aplaude, interrompe a música, a dança, torna a interromper e até compete por secções da plateia pelo controlo das iniciativas. Um disparate de aplausos que pode ajudar a cortar algum aborrecimento, mas que prejudica aquele encantamento em que outros talvez pretendam abandonar-se. O primeiro acto destina-se a que o público se acomode nos assentos, enquanto os retardatários têm carta branca para irem chateando, quais macaquitos saltitões, que ainda arrumam a casaca, ajeitam o cabelo e acendem o visor do telele. Concentração nicles. O segundo acto é pontuado pelo mastigar das chicletes, que os lábios repuxados não conseguem abafar. O terceiro e o quarto actos são para bater palmas. E quando a companhia se vai perfilando, com aquela etiqueta antiga, para se oferecer ao aplauso do público, desatam as velhas a sair da sala para não serem apanhadas pelo engarrafamento da saída, e das palmas ferozes do final passa-se de repente para um bruá de fuga, como se tivesse disparado o alarme de sismo. Fica uma parte da companhia por aplaudir (há uns anos no Conservatório ficou por aplaudir a companhia inteira, que as palmas tinham sido dadas, pelos vistos todas, no decorrer do espectáculo).

Meus senhores farenses, isto de telhados de vidro (que expressão horrível, hei-de inventar uma menos bélica) é uma chatice. Não custa nada consultar uns sites na net sobre comportamento nas salas de espectáculo, por exemplo: http://www.naxos.com/education/enjoy2_concertmanners.asp
http://listverse.com/entertainment/top-10-tips-for-your-first-opera-or-ballet/
http://www.fortwayneballet.org/performances-auc-what-to-expect.php

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