quarta-feira, 27 de maio de 2009

O princípio da porta aberta

Denomina-se impropriamente "princípio da porta aberta", por exemplo, a política de abertura da União Europeia à admissão de novos estados membros (que está em oposição com o princípio do aprofundamento da democraticidade interna e autonomia supranacional da União) ou, na administração pública, a faculdade de opção por um sistema operativo informático (Windows, Linux, etc.). Diz-se impropriamente pois, no primeiro caso, trata-se de uma política de expansão ou alargamento e, no segundo caso, da proibição do monopólio.

O conceito emprega-se propriamente para designar um dos elementos estruturais do cooperativismo reformista que consiste na permanente disponibilidade das cooperativas para admitirem novos membros, sem qualquer discriminação à entrada ou à posterior disposição dos bens, actividades e interesses. É também conhecido como princípio da adesão voluntária e livre.

Tal modelo de cooperativa, controlado por uma união internacional de cooperativas e recebido directamente pela nossa constituição (quer dizer que é proibida a constituição de cooperativas que não obedeçam aos 9 princípios que sistematizam aquele modelo) opera, em primeira linha, a separação entre a propriedade dos bens de produção e os cooperadores, que apenas desfrutam deles na medida do seu trabalho ou contribuição, perdendo a qualidade de cooperadores quando deixam de poder contribuir. O princípio da porta aberta, conjugado com os da entreajuda e gestão democrática, opera, em segunda linha, a desconstrução do direito do cooperador à titularidade da posição e dos benefícios que tenha conseguido granjear, obrigado que está a compartilhar com os demais, incluindo os novos membros, os meios de produção e os respectivos ganhos.

Assim o cooperador, que está despojado da propriedade, pode também ser despojado dos direitos que tem vindo a adquirir e, por fim, pode mesmo perder o vínculo à cooperativa. Clama-se que se trata de um direito de ordem superior, que escapa à voracidade capitalista e contribui para a plena realização pessoal dos cooperativistas, os quais, quando não satisfeitos com os ganhos, devem encontrar consolo nas acções fraternas. No entanto, a propriedade dos bens pertence à cooperativa, tomada como pessoa jurídica, que actua no mercado em igualdade de armas com as empresas capitalistas, até que, pelo reiterado sucesso do cooperativismo e constante amplitude do sector, acabará supostamente por dominar todo o mercado e satisfazer o ideal do homem produtor não especulativo.

Apesar da forte propaganda a que foi sujeita, durante mais de um século e do apoio do estado, o cooperativismo não tem passado da rampa de lançamento, enquanto as cooperativas dificilmente superam o envelhecimento dos seus membros. O princípio da porta aberta tem sido contornado de diversos modos: limitação territorial da admissão, especialização, separação entre a qualidade de cooperador e a de trabalhador, este protegido pelas leis de trabalho, pura e simples negligência, etc. As cooperativas que têm perdurado são precisamente as constituídas no Estado Novo, sob controlo do poder político, dedicadas à transformação e comercialização de produtos agrícolas, em especial as vinícolas (Cooperativa de Reguengos, do Redondo, etc.). Aqui o carácter pessoal dos cooperadores é desprezível, interessa sim que possuam vinha na área demarcada, que por si limite o número de membros.

Um dos temas deste blogue, precisamente porque estudamos o estado, será o cooperativismo, nos diversos modelos. Importa apurar como se dá a contradição de as cooperativas de gestão não democrática e que não obedecem ao princípio da porta aberta subsistirem, enquanto as que se abrem aos valores de António Sérgio tendem a afundar-se.

No que releva para esta série de artigos sobre a porta aberta é a tendência do estado para impor um princípio geral de porta fechada, reservando a porta aberta para sectores muito segmentados em que sobrepõe medidas de fiscalização e controlo. Na verdade, quando o estado diz porta aberta quer dizer porta fechada (na publicidade e no spam, fechada à privacidade; na União Europeia, fechada à democratização interna, nas cooperativas, fechada ao enriquecimento pessoal dos cooperadores). Encontramos assim uma linha geral, segura, sustentada do estado contra a cultura que lhe pode fazer frente - tal como indicámos no artigo "a política da porta fechada".

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