Cena que se retém: os clientes do BPP em manifestação junto à sede do banco, empunhando cartazes e brandindo palavras de ordem. Homens da classe média alta que perderam não apenas os créditos elevados que confiaram ao banco, mas que perderam também – e é este o aspecto que interessa reter – o acesso condigno a informações, a instalações, ao diálogo, enfim, a todos os elementos que caracterizam a expectável gestão bancária dos clientes. A cena apresenta condições semelhantes, aliás, à dos trabalhadores de uma empresa em lay-off ilegal.
Crê-se que tal acontecimento anuncia uma nova ordem política e social. Os indivíduos, ainda que em grupo e independentemente da classe social a que pertencem, estão a perder capacidade de influência, perante um poder tecnocrático que actua num plano maquínico, desdobrado por diversos aparelhos (imbricação privado/público, estado desconcentrado (BP, CMVM, governo, tribunais, polícia, comunicação social), que reelabora e reinterpreta as leis tomando-as como fim último da sua própria actuação. Trata-se de uma administrativização da actividade privada e dos interesses dos particulares, que despoja os indivíduos do direito de participação e que consegue mesmo constituir uma entidade credor/cliente como titular de crédito distinta da pessoa concreta, do cidadão. Uma administração anunciada por Kafka no genial “O Castelo”.
Este novo modo de funcionamento da política – tecnocracia autista que se auto-justifica pela utilização propagandística dos meios de comunicação social – não pode ser reconduzido à responsabilidade deste ou daquele partido, deste ou daquele governo, pois detecta-se já em muitos estados democráticos da Europa, na própria União Europeia, e nas mais diversas áreas de actuação (finanças, ensino, protecção de menores, regulação das actividades profissionais, funcionalização de profissões independentes (juízes, jornalistas, deputados), medidas de saúde pública, declaração de guerra, etc.). Nos mais diversos sectores se nota este desprendimento entre indivíduo/cidadão e sujeito de deveres/titular de direitos, com perda de intervenção dos interessados. A resolução dos problemas é tomada numa perspectiva macro, que remete para a política, ou seja, para os órgãos de soberania e para os técnicos que os enformam.
O caso do BPP é paradigmático pois, sendo um banco privado sob intervenção pública, o litígio não pode ser resolvido de modo útil pelos tribunais civis (um dos direitos constitucionais fundamentais (art. 20) está aqui prejudicado) e, não prestando os actuais gestores informações relevantes, os clientes ficam relegados à expectativa da decisão política: o agrimensor de Kafka à espera de resposta da administração do castelo, isto é, o Código de Procedimento Administrativo metido num saco.
Parece então que está ocorrendo uma alteração do modo de funcionamento da máquina do estado.
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